Bitcoin: consequências jurídicas do desenvolvimento da moeda virtual
Gabriela Isa Rosendo Vieira Campos Graduanda
em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. É editora do periódico
acadêmico de direito internacional A38
Journal of International Law. Tradutora voluntária da organização Pax Christi
Internacional. Estagiou para o periódico acadêmico de Direito Internacional A38. Escreveu regularmente para o
blog da ONG Delta Women. Estagiou na Assessoria de Comércio Exterior, na
Universidade Federal da Paraíba. Participou do Programa de Apoio ao Ensino de
Línguas Estrangeiras no Ensino
Fundamental e Médio. Recebeu, em 2013, o prêmio de voluntariado online das Nações Unidas pelo seu trabalho em conjunto
com a Associação de Empreendedores
Africanos (Association of African Entrepreneurs).
Email: <gabrielarvcampos@hotmail.com>.
Email: <gabrielarvcampos@hotmail.com>.
Resumo
O artigo visa entender quais as
possíveis respostas a serem dadas pelo Direito em relação à criação do bitcoin.
O trabalho explica, propedeuticamente, e, através da análise da legislação
comparada, a história da moeda, suas consequências econômicas, as mudanças
paradigmáticas ocorridas e, por fim, reflete sobre as teses doutrinárias
apontadas, por parte do mundo jurídico, como solução à criação da moeda. O
objetivo geral do trabalho é analisar as consequências econômicas do novo
sistema de pagamento, assim como explorar as possíveis hipóteses, para
regulamentar as transações com a moeda criptográfica, que permanecem em uma
área cinza, ainda não completamente atingida pelo Direito. A conclusão do
trabalho é que o Estado deve incluir a moeda em suas regulamentações,
inicialmente, lidando apenas com à evasão tributária, com a sua possível
ligação com o mercado ilegal e com a licença, para trocar tais moedas e,
posteriormente, regulamentar aspectos que requerem uma minúcia maior, como a
proteção dos direitos dos consumidores. Palavras-chave: Bitcoin. Criptografia.
Regulamentação.
1. Introdução
A globalização e a maior
interligação dos mercados nacionais trouxeram diversas consequências jurídicas
que não podem ser ignoradas. Uma das mudanças mais dramáticas foi a criação
moedas virtuais. Apesar de muitas tentativas de criação de um efetivo sistema
de pagamento ou de um dinheiro virtual, as moedas virtuais não eram eficientes
ou mesmo legítimas, entretanto, em 2008, foi criada uma moeda criptográfica que
revolucionou a ordem mundial e cujos reflexos ainda serão completamente
desvendados pelo Direito: bitcoin.
O sistema Bitcoin se diferencia
do sistema das outras moedas, pois o seu código é aberto e descentralizado
(ULRICH, 2014), possibilitando, assim, a confiança de investidores e de
inúmeras empresas ao redor do mundo, que já aceitam a moeda para a compra de
seus produtos[1].
A
moeda, por ser digital, possui as características de produtos constituídos pela
informação, pois é intangível, hermética, mutável e está inserida em um
complexo sistema de relações com outros sujeitos (LORENZETTI, 2004).
Além de
ter taxas de transação muito baixas — especialmente se comparadas com o sistema
bancário tradicional —, proteção contra fraude[2] e uma privacidade relativamente maior, já se
espera que os bitcoins atendam a uma maior inclusão social, por funcionarem
como um sistema alternativo às pessoas excluídas do sistema bancário,
especialmente àquelas oriundas de países africanos.
Por isso, afirma-se que o
Bitcoin apresenta outro paradigma à sociedade, fato equivalente ao que ocorreu
com a evolução do sistema bancário tradicional para o sistema bancário digital,
em virtude do comércio eletrônico (WONG et al, 2008). A quebra de paradigmas
relaciona-se não somente com a natureza descentralizada da moeda, mas com a sua
essência digital.
Em virtude da recente criação do Bitcoin (software) e da sua
respectiva moeda, bitcoin, há poucas regulamentações sobre a tendência, e as
consequências jurídicas e econômicas da novidade ainda não foram totalmente
descobertas. Assim, embora o estudo aprofundado sobre as inúmeras consequências
jurídicas da criação da moeda seja necessário, nada mais há que legislações
esparsas sobre o tema, prejudicando uma possível análise mais minuciosa e
completa de Direito Comparado.
Há diversas hipóteses a respeito da
possibilidade de legislações adequadas sobre a moeda. Para se analisar, então,
os prováveis cenários desenhados pelo Direito em virtude da novidade, deve-se
explorar seus reflexos econômicos, mostrando as diversas problemáticas em
relação à inovação, assim como realizar uma análise propedêutica sobre as
decisões tomadas por distintos ordenamentos jurídicos, para abranger a moeda.
Nota-se, entretanto que já houve inovações diversas que surgiram em um cenário não
ainda regulado pelo Direito (como a Internet, e o VoIP, por exemplo), pois a
norma não se pode manter anterior às criações humanas que regulamenta,
especialmente as normas que lidam com inovações tecnológicas.
2 - Contexto de criação da moeda
Em 2008, Satoshi Nakamoto[3]
apresentou, em um artigo, sua moeda ao mundo, a qual se baseia em um código de
computador (ULRICH, 2014) e rapidamente, em 2009, a moeda foi lançada
digitalmente.
A moeda digital, apesar de recente, baseia-se na teoria econômica
da escola austríaca, a qual tem como principais expoentes Ludwig von Mises,
Hayek e Carl Menger, pois essa teoria é a única que defende a possibilidade de
existência de uma moeda sem controle estatal (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2012).
Keynes, por exemplo, afirmou que era necessário que o Estado controlasse a
circulação da moeda, além de dar valor ao dinheiro, pois a moeda não poderia
ser tratada como uma commodity. Tal forma de compreender as relações monetárias
impossibilita o estudo do fenômeno através de qualquer outra teoria econômica,
com exceção da escola austríaca.
O sistema de bitcoins é feito para que somente
21 milhões de moedas criptográficas sejam disponíveis ao redor do mundo. Tais
moedas serão lançadas paulatinamente, para que não ocorra a desvalorização do
dinheiro virtual. À medida que as pessoas utilizarem o sistema, trocando as
suas moedas pelos bitcoins, novas moedas serão liberadas até o total
disponível.
Um bitcoin pode facilmente se adaptar às necessidades do consumidor
pós-moderno, já que ser quebrado em até oito decimais. A moeda, ademais tem-se
tornado muito atraente na ordem mundial, pois não sofre intervenção
governamental e não é baseada em algum Estado específico, sua adesão é, portanto
completamente voluntária. É em virtude de tal característica que a moeda não
está sujeita aos processos de desvalorização monetária por parte do Estado,
como a inflação ocasionada por maior impressão de papel-moeda, por exemplo.
O
Bitcoin, sistema de código aberto, é verificado por pessoas que controlam as
transações e as divulgam publicamente, os mineradores, o que evita o problema
do gasto duplo (CHAUM, 1992) e da fraude, existente em qualquer outra tentativa
de moeda criptográfica. Essa atribuição permite com que a moeda virtual tenha
como uma de suas principais características a transparência.
Essa moeda
criptográfica somente é submetida ao crivo dos processos do mercado, ou seja, à
lei da oferta e da procura, sendo inclusive uma fonte de criminosos que visam
fugir do controle estatal e buscam esconder reservas financeiras, assim como
praticar lavagem de dinheiro e negociar, no comércio eletrônico, a venda de
produtos ilícitos, já que somente o valor das transações virtuais é público,
enquanto a identidade do usuário é exposta somente através da chave pública,
disponível no site[4].
Apesar desses aspectos negativos, há previsões bastante benéficas para o
sistema, que pode aumentar a inclusão social de pessoas tipicamente
marginalizadas, as quais não têm conta bancária, como já foi mencionado, pois
qualquer pessoa pode ter uma conta gratuitamente no sistema Bitcoin (BRITO;
CASTILLO, 2013).
Ademais, para pessoas com contas bancárias, bitcoins
apresentam a vantagem de não ter qualquer taxa de adesão, como os bancos
tipicamente cobram (KOSKOSAS, 2011), além de oferecer privacidade aos seus
usuários, sendo somente público o valor das transações eletrônicas efetuadas
entre usuários[5].
A
democratização da tecnologia, ainda, diminui os custos de transação, aumentando
a produtividade e a margem de lucro das empresas e de indivíduos[6].
A criação de valor da moeda ocorre justamente pela segurança que o sistema que
transmite[7]
e pela quantidade de pessoas que trocaram moedas nacionais pelos bitcoins[8].
Ilhas pequenas, como Alderney, por exemplo, já buscam fabricar bitcoins no
formato físico, através dos códigos que são fornecidos pela Internet (CONNELL,
2014).
Bitcoins não são controlados por autoridade central alguma e se
caracterizam por serem um sistema peer-to-peer. Como o sistema tem um código
aberto, qualquer programador pode fazer mudanças e melhorias, desde que tais
mudanças sejam adotadas em concordância pela maioria da comunidade de
programadores.
A moeda criptográfica foi criada e só existe graças aos avanços
tecnológicos pós-modernos. Pode-se afirmar, portanto que a moeda é sintomática
dos tempos atuais e que sua natureza expressa mais sobre o homem pós-moderno.
O
funcionamento da moeda traz inúmeras consequências ao Direito e é
imprescindível, consequentemente, analisar como foi feita a regulamentação do
fenômeno, estudando as legislações já existentes em outros países, e tecendo
considerações sobre aspectos importantes, para regulamentar, no Brasil.
3 - Reflexos do Bitcoin no direito
Apesar de inovadora e das suas
possíveis consequências negativas, tais como lavagem de dinheiro e evasão de
divisas, não se pode deixar de considerar a relevância da moeda bitcoin.
Por
isso, é especialmente importante estudar as suas consequências
jurídico-econômicas e compreender, assim, que hipóteses seriam mais
apropriadas, por parte do Estado, para lidar com essa tendência econômica e com
a sua respectiva criação de valor e adoção pelo mercado. O estudo sobre as
hipóteses mais apropriadas ocorrerá através da análise de questões pontuais e
das leis vigentes em outros ordenamentos jurídicos.
Um dos aspectos essenciais,
para regular a moeda refere-se à classificação tributária dada pelo Estado.
Essa sistematização é importante tanto no sentido de evitar evasão fiscal
quanto, para dar uma noção mais exata ao Estado dos investimentos dos cidadãos.
É seguro afirmar, por isso que a positivação de normas tributárias com relação
ao dinheiro virtual deve ser prioritária.
A moeda, nesse aspecto, lança
questionamentos sobre o Direito de propriedade, pois serve não somente como
sistema de pagamento, mas foi classificada pelo Internal Revenue Service dos
Estados Unidos (órgão tributário nos Estados Unidos) como uma propriedade (IRS,
2014). Da mesma forma, o Canadá também considerou a moeda como propriedade e
obrigou as empresas a declararem as vendas efetuadas por meio de bitcoins e os
lucros com a especulação da moeda (DESCÔTEAUX, 2014). A maioria dos países
provavelmente evitará classificar o bitcoin como dinheiro virtual, devido às
consequências desconhecidas de tal ação, preferindo se ater a termos mais
seguros, contrariamente ao que foi feito pela Alemanha, que classificou a moeda
como dinheiro privado e não como propriedade.
Outro ponto imprescindível
relaciona-se com as conexões da moeda com o mercado ilícito. É interessante
notar que, apesar da adoção extensiva da moeda em meados de 2013 por diversos
negócios, houve empresas posteriormente processadas pelo Direito
norte-americano por envolvimento com o mercado ilegal[9].
Muitos defensores da moeda inclusive não negam a sua relação com o mercado
ilícito, mas afirmam que, assim como as moedas nacionais, o bitcoin pode ser
usado para inúmeros propósitos (ULRICH, 2014). Uma possível solução para tal
problema seria exigir uma licença, para empresas que trocam bitcoins por moedas
nacionais, como a licença exigida para companhias de câmbio.
Esse fato somente
demonstra a necessidade de regulamentação, pois o Estado não poderia tutelar
uma conduta ilícita. Setores específicos e autoridades também esperam que, com
a regulamentação específica e apropriada, os riscos sejam mitigados, evitando a
utilização do dinheiro virtual por parte de criminosos (EUROPEAN BANKING
AUTHORITY, 2014).
Nesse caso, não bastará somente a proibição da utilização da
moeda para fins escusos, pois será necessário que o conjunto de normas aqui
discutidas seja positivado, o que nega a teoria que afirma que regulamentação
da moeda a levaria ao fim, pois isso não ocorreu com outras inovações digitais
regulamentadas, como a Internet, por exemplo, e a regulamentação é, inclusive,
esperada pelos usuários, que teriam mais confiança no meio de pagamento, além
de bitcoins com um valor maior. Há, ainda, problemas com o sistema financeiro
das bitcoins no que tange a qualquer controle em relação à observância aos
direitos do consumidor, já que não há órgão de defesa do consumidor ou sistema
judiciário que traga eficácia às decisões[10],
sendo esse espaço praticamente uma área cinza do Direito, pois não há
autoridade central que gerencia o sistema, sendo bastante dificultoso achar um
orgão apropriado, para reivindicar os direitos. Os Estados, por sua vez, devem
buscar soluções para esse “não-lugar” (AUGÉ, 2000), observando os padrões
estabelecidos pelo ordenamento jurídico, de forma a não prejudicar os direitos
do consumidor, ferindo sua dignidade humana.
Como tal questão requer um estudo
sobre como o Estado daria eficácia às decisões, é justificável afirmar que,
devido à recente criação do bitcoin, essa resposta do ordenamento jurídico
ocorreria com um maior tempo de estudo e não seria uma das normas primeiramente
positivadas.
A questão do direito dos consumidores muito se relaciona com a
necessidade de uma autoridade central responsável juridicamente pelo Bitcoin,
que será analisada em outros pontos deste artigo. Outra questão imprescindível
é a análise da melhor resposta a ser dada, pelo Direito, no que tange aos
bitcoins tirados de seus usuários verdadeiros em virtude de condutas
fraudulentas e desonestas.
Como a moeda virtual assemelha-se a um documento
digital sem o problema do gasto duplo, é preciso que o ordenamento jurídico
brasileiro indique se retirar bitcoins de seu usuário original e de direito
seria tipificado como furto, segundo o artigo 155 do Código Penal, ou se tal
conduta seria tipificada no artigo 154-A do Decreto-Lei número 2.848, ou seja,
se a conduta seria classificada como invasão de dispositivo informático com
aumento de pena, de acordo com o parágrafo segundo do mesmo artigo.
Segundo o
nosso entendimento, a conduta deveria ser incluída como invasão de dispositivo
informático, pois a moeda nada mais é que um documento digital, semelhante,
portanto a outros documentos que se classificariam em tal artigo.
Um outro
ponto de relevância que precisa ser analisado em relação à moeda refere-se à
possibilidade de quebra da censura imposta por alguns Estados, pois o sítio
pode ser acessível com programas que protegem a anonimidade, mesmo que um
determinado país proíba o acesso ao software. Essa facilidade de acesso faz com
que muitos indivíduos enviem dinheiro aos seus parentes, que moram em outros
países menos desenvolvidos ou em ditaduras (TRAUTMAN, 2014).
Esse problema não
difere, apesar de seus propósitos, do fácil acesso de usuários de sítios
ilegais. O Estado deveria, então, tecer uma política com relação à proibição de
envio de moedas para determinados países ou com relação à proibição do software,
mas deve-se mencionar que dificilmente essa norma seria mais cumprida que
outras normas semelhantes e, como já afirmado, dificilmente a censura seria uma
atitude apropriada, para os países que desejam ter uma situação econômica
favorável.
Para bem delimitar os pontos mais cruciais para a regulamentação, é
preciso, cartesianamente, estabelecer as prioridades do Estado. Segundo
Lorenzetti (2004), quando surge uma nova tecnologia, geralmente as primeiras
regulamentações são mais abrangentes, enquanto outras leis a seguem, para
especificar ou, para detalhar o comportamento que o Estado julga apropriado.
Espera-se que ocorra o mesmo com a moeda virtual, que já teve seus primeiros
reconhecimentos por diversos Estados, entre eles: Islândia, Estados Unidos,
Alemanha[11],
Suécia, Finlândia (BRYANS, 2014) e Japão (SZCZEPANSKI, 2014).
Apesar disso, a
União Europeia ainda não fez qualquer referência ao bitcoin, o que faz com que
se deduza que os primeiros regulamentos sobre a moeda serão nacionais e não
supranacionais. A União Europeia se manifestou através de uma diretiva
(2009/110/EC) sobre dinheiro eletrônico, cuja definição parecia condizente com
o bitcoin. O Banco Central Europeu, entretanto emitiu um relatório, em 2012,
informando que a diretiva não se aplicava a moeda (Ibidem, 2014). Como já
afirmado anteriormente, é seguro esperar que as Nações decidam classificar o
Bitcoin em outra categoria que não a de dinheiro virtual.
Importante mencionar
também que os Estados Unidos já proibíram a utilização de moedas criadas para
propósitos ilícitos (BRYANS, 2014) e, como já evidenciado, reconheceram o
bitcoin como legal, apesar de não o definir como moeda, mas como propriedade. A
alternativa, portanto não é proibir a utilização da moeda, já que tal opção
pode, inclusive, desfavorecer a posição de um país na economia mundial[12],
além de não ser uma medida completamente eficaz, mas impedir com que a moeda
sirva como meio para fins escusos.
É necessário, então não somente a criação de
novas leis regulamentando as transações efetuadas por meio do software, mas
também a modernização de leis antigas sobre a lavagem de dinheiro, por exemplo
(UNITED STATES DEPARTAMENT OF JUSTICE, 2012).
Inicialmente, espera-se que os
Estados obriguem as empresas de câmbio que trocam bitcoins a ter uma licença
específica, assim como a notificar as suas atividades, facilitando a
transparência, para evitar qualquer elo com a criminalidade. Tal ação
justifica-se em virtude da maior capacidade do Estado de controlar as agências
de câmbio do que os indivíduos que trabalham verificando transações.
É provável,
ainda, que as regulamentações iniciais também lidem com a questão tributária,
ou seja, que o Estado peça para que os usuários do bitcoin declarem a
“propriedade” dessas moedas, como ocorreu nos Estados Unidos e no Canadá. Essa
prática não seria de difícil controle, já que com a licença, para trocar
bitcoins, o Estado teria uma maior noção da quantidade disponível de moedas no
país. A facilidade de tal prática relaciona-se também com a possibilidade de
identificação de seus usuários através da chave pública[13].
Após essas transformações, o Estado lidará com os temas mais dificultosos,
abordados neste artigo, como a eficácia da exigência do cumprimento do Direito
do Consumidor e a tipificação do ato de pegar bitcoins pertencentes a outrem.
Há juristas que recomendam a criação de normas universais próprias para o mundo
virtual, justamente pela natureza global da Internet (JOHNSON; POST, 1996).
Nesse caso, a atitude adequada seria permitir com que uma entidade
internacional regulasse e controlasse as atividades da moeda virtual e de
outras moedas que possam surgir no futuro.
Tal atitude se harmonizaria
facilmente com o desenvolvimento da lex digitalis (NEVES, 2009) e facilitaria a
possibilidade de reivindicar direitos pelos consumidores, já que haveria uma entidade
central controlando o sistema, de forma semelhante ao que é feito pela
Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e de Números (ICANN), mas é
preciso analisar a praticidade de excercer essa atribuição, já que dificilmente
inúmeros Estados concordariam com a total entrega do competência para legislar
sobre esse asssunto.
Estabelecendo, entretanto uma comparação com a ICANN, é
preciso mencionar que não foi feito algo semelhante com a corporação que
controla a Internet, já que essa entidade foi criada sem uma autorização de
todos os países, mas se atribuiu à função de controlar o mundo virtual. O
desenvolvimento da supracitada hipótese levaria os ordenamentos jurídicos a
estabelecerem uma relação de transconstitucionalismo entre as distintas entidades
e Estados relacionados à moeda. A possibilidade de criação de uma entidade
semelhante, portanto não deve ser ignorada.
Ao considerar outras conjeturas, é
fácil afirmar que cada Nação visa formar sua própria interpretação da moeda de
acordo com a legislação nacional existente, sem, necessariamente, seguir o que
outros países decidem sobre a moeda, já que as decisões tomadas pelos Estados
têm abrangido aspectos jurídicos diferentes, mas uma legislação mais elucidada
sobre o assunto levaria o Estado a estudar todas as questões pontuais abordadas
por distintas legislações.
4 - Conclusão
O Bitcoin já trouxe inúmeros
reflexos para o mundo jurídico e, por isso sua regulamentação é necessária, ao
menos, para proibir com que condutas ilícitas sejam realizadas com o auxílio
das características próprias da moeda.
A maior parte dos Estados tem decidido
dar passos iniciais, como reconhecer a legalidade da moeda ou informar aos seus
usuários sobre a cobrança de impostos relacionados ao seu uso e propriedade
(GAO, 2013). Por isso, mantêm-se que a posição ideal é a regulamentação,
inicialmente, por meio de leis nacionais mais amplas (VALDE, 2013),
especialmente sobre questões tributárias e de licença por parte das casas de
câmbio.
As regulamentações seguintes, certamente, serão mais restritas e
específicas, pois o quadro da moeda criptográfica será mais bem delimitado
através de mais análises e de um maior tempo para o desenvolvimento de suas
consequências no mundo econômico e jurídico e envolverão questões jurídicas
ainda enevoadas ou que não podem ter uma eficácia aparente, como, por exemplo,
o respeito ao Direito do Consumidor.
Não é necessário, portanto que se crie uma
legislação extensiva sobre a moeda, pois há o risco de atrofiar kafkianamente
essa nova tecnologia, mas o Estado deve reconhecer o seu uso lícito, buscando
proteger as pessoas que usam a moeda de maneira legítima e lidar com questões
pontuais, como é feito em outros países, inclusive, em razão de benefícios
econômicos.
Sabe-se que as modificações trazidas pelo software ainda não foram
totalmente descobertas, mas é de extrema relevância o estudo da moeda e de suas
consequências jurídico-econômicas, para compreender a Pós-Modernidade. Espera-se,
portanto que a apresentação propedêutica do assunto pelo artigo tenha
contribuído para o debate jurídico sobre o tema.
[1] Cita-se como exemplo a Microsoft, Dell, entre
outras.
[2] Na
história do bitcoin nunca houve qualquer fraude na emissão de moedas e de
transações falsas. Isso ocorre em razão do código do software, que é aberto e
disponível a todos, para que realizem modificações e em virtude dos
“mineradores”, que verificam todas as transações antes de aprová-las e
disponibilizá-las no site.
[3] Atualmente,
sabe-se que Satoshi Nakamoto é um pseudônimo. A muitas pessoas foi atribuído
tal nome fictício, tendo a revista “Nesweek”, inclusive, identificado o mais
provável agente que teria criado o código: Dorian Nakamoto, que negou as
alegações.
[4] Como
afirmou Lorenzetti (2004), a identificação por código torna-se uma tendência no
mundo digital.
[5] Cada
usuário possui uma chave pública e uma chave privada.
[6] privada.
6 Ronald Coase (1960), inclusive, afirma
que se não fossem pelos custos de transação, mais acordos seriam realizados.
[7] Lorenzetti
(2004) chega a afirmar que, atualmente, a criptografia assimétrica é a que mais
confere segurança.
[8] Há,
inclusive, programadores que sugerem a utilização do protocolo do Bitcoin para
outras moedas digitais (WILLETT, 2013) ou para criptografar e-mais, em razão da
sua segurança (WARREN apud BRITO; CASTILLO, 2013).
[9] Cita-se
como exemplo Charlie Shrem, cuja empresa, foi acusada de lavagem de dinheiro,
por ter trocado dólares por bitcoins para um negócio ilegal de drogas (MACHEEL,
2014). Há, ainda, várias empresas de lavagem de dinheiro que prefeririam atuar
com a moeda criptográfica como Liberty Reserve (BRITO; CASTILLO, 2013).
sões10
[10] Nos
Estados Unidos, à propósito, já foi criada uma organização (Chamber of Digital
Commerce) para representar os interesses dos envolvidos com moedas virtuais,
particularmente, com o bitcoin.
[11] A
Alemanha adota a posição de que a moeda é uma unidade de conta e um tipo de
dinheiro privado (SHCHERBAK, 2014).
[12] Cita-se
como exemplo a Rússia, que passou a bloquear os sites da moeda, mas, devido à
sua importância, passa agora a rever a decisão (SMART, 2014).
[13] É
possível a realização de uma análise das transações realizadas e do
comportamento dos usuários utilizando o meio de pagamento, o que permite, inclusive,
a identificação de até 40% dos usuários, segundo demonstrado em uma pesquisa
experimental (ANDROULAKI, 2013).
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